Ser ilustrador é a maneira fina de designar alguém que passa o dia a desenhar, assim como chamamos atleta ou futebolista a quem passa o dia a jogar à bola.
Já pararam para pensar a sorte que é serem pagos para jogar à bola? Jogar?
De vez em quando dava por mim a pensar nestas coisas, a sorte das pessoas que recebem para fazerem aquilo que mais gostam de fazer nos tempos livres.
E um dia ouvi algo do género como: “o que tu fazes enquanto estás a procrastinar devia ser o teu trabalho!”
Era incrível pagarem-me para fazer o que realmente gosto, não era?
E foi assim que eu fui começando a levar a ilustração como um trabalho e não apenas um passatempo, comecei a comunicar de forma diferente o que fazia e a mostrar mais o meu trabalho.
Parece um mundo encantado certo?
Pois bem, e até é! O problema não é ser ilustrador, não é ser ilustrador em Portugal, o maior problema é ser freelancer ou ter o teu próprio negócio.
Ser ilustrador por tua conta, tens o risco da instabilidade financeira, tens que procurar trabalhos, tens que enviar emails, fazer telefonemas e reuniões, tens que fazer orçamentos, emitir faturas e mais emails, tens que pagar segurança social e enviar declaração trimestral, tens que fazer um site/portfólio online e manter actualizado, tens que gerir redes sociais, publicações, histórias, comentários, mensagens, e estar a par das “últimas tendências”.
Tens que lidar com clientes!!! (clientes!!!)
Tens que imprimir, embalar, enviar. Tens que procurar diferentes fontes de rendimento. Tens que criar rede de contactos, rede de clientes. Tens que fazer parcerias. Dá jeito participar num concurso ou outro, por diferentes motivos. Tens que te expôr….e a lista continua e continua. E no fim? No fim se conseguires desenhar meia dúzia de horas por semana é uma sorte. És ilustrador? És! Mas também és tanta outra coisa.
Sobre ser ilustrador em Portugal, acredito que seja igual a ser ilustrador em tantos outros países. Vivemos num país pequeno e que nem sempre valoriza o trabalho de criativos, mas não somos os únicos. Não só o país conta, a cidade também influencia, há cidades que oferecem mais que outras. Com a internet estas diferenças são cada vez mais pequenas, mas mesmo assim é diferente estar presente, entrar nos sítios, falar a mesma língua, conversar (in)formalmente, mostrar trabalho físico…No entanto, não pode ser desculpa para não tentar.
Na minha opinião, as pessoas já começam a dar mais valor ao trabalho criativo, percebem a diferença entre ter um trabalho personalizado e único que gera valor à empresa, querem apostar em novas abordagens, mas nem sempre percebem todo o esforço e dedicação que está por trás, do lado do ilustrador.
Para nós é fácil desenhar, é só um rabisco. E o nosso lado descontraído pode contribuir para as pessoas não perceberem as horas de trabalho investidas, seja naquele projecto em concreto, seja nos anos todos que passamos a desenhar. O facto de andarmos sempre com um caderno atrás e desenharmos na esplanada é tempo investido para sermos melhores, é tempo de lazer sim, mas podíamos estar como o resto dos nossos amigos só a conversar. Toda esta dedicação faz parte do nosso trabalho, a procura constante para melhorar desenhar mãos e pés, desenhar ambientes, fazer cursos, pedir ajuda a amigos da área, ver vídeos e dicas de outros ilustradores. Faz parte do processo e do crescimento enquanto profissional.
Em relação à parte de trabalhador independente, o meu maior desafio é conseguir ter trabalho constante. E para isso é preciso muito trabalho a desenhar para ter um bom portfólio, um site e redes sociais atualizadas, é preciso procurar clientes, e não estar só dependente destes, é preciso estar à procura de novas soluções e novas formas de conseguir chegar ao fim do mês e pagar a renda.
Como já referi, as pessoas pensam que para nós é fácil e rápido desenhar, e agora está na moda pagarem com divulgação. Eu já tentei pagar um jantar com divulgação no instagram, mas não aceitaram essa forma de pagamento…dá que pensar, não?
Se tu também gostavas de ser ilustrador, primeira dica é: desenha, desenha muito. Não precisas de ter um cliente, desenha coisas que gostes, cria os teus próprios briefs e desenha soluções.
Desenha coisas com as quais não te sintas tão confortável, treinar diferentes coisas que não gostamos vai ajudar no futuro quando chegar aquele trabalho daquele cliente que tanto queríamos, mas pede algo que não estamos habituados. Vamos recusar trabalho? É melhor ir treinando de tudo um pouco.
Não tenhas medo de partilhar o teu trabalho, as redes sociais são ótimas para perder o medo, partilha desde os esboços às ilustrações finalizadas. Muito trabalho surge através das redes sociais, é importante estarem atualizadas, contudo não devem ser o teu portfólio, é mais um espaço para partilhares as tuas tentativas, erros e sucessos. O teu processo. Pelo menos é como eu vejo este mundo digital.
Se tens a sorte de puder investir a 100% na ilustração, força!! Se não, procura um part-time ou mesmo um full-time que te garante o dinheiro que precisas no fim do mês, mas aproveita todo o teu tempo livre para desenhares e ires criando uma carteira de clientes. É muito cansativo, mas chegará o dia em que poderás dar o salto e viver da ilustração.
Sê boa pessoa! Para os outros e também para ti! Não podes oferecer as tuas ilustrações a todos que te pedem, não podes trabalhar por pouco, mas há aquela instituição que tu te identificas que gostava de ter uma ilustração tua para um calendário. Ou um pequeno negócio local desenvolve um trabalho que faz sentido para ti mas tem um orçamento baixo. Aproveita! São oportunidades para experimentar coisas diferentes. Mas não deixes que abusem de ti, há momentos em que podes oferecer os teus serviços, mas o cliente tem que perceber que não pode exigir mais do que tu podes oferecer.
Sê humilde e amigo do teu amigo. Nem sempre vais conseguir fazer o melhor trabalho, ou não vais ter tempo. Recomenda um amigo teu da área que seria capaz de oferecer um melhor resultado para aquele projecto naquele momento.
Não deixes escapar oportunidades! Ás vezes parece que as estrelas não estão alinhadas e não podes aceitar aquele projecto incrível que tanto querias, antes de dizeres que não, pensa muito bem, analisa todas as possibilidade, pergunta, tenta. Não digas que não sem teres mesmo a certeza absoluta que não vais conseguir. Podes fechar uma porta importante.
Não tenhas vergonha!! Pergunta, pede ajuda. Passamos todos pelo mesmo, começamos todos do zero, há alguém que tem mais conhecimento e experiência, ou tens um amigo que está mais ou menos na mesma situação que tu, pergunta, troca ideias. É mais fácil se remarmos todos para o mesmo lado.
Arrisca! Se não arriscares não vais saber se conseguirias ou não. (Cliché ou não, mas é bem verdade.)
Para mim, o mais importante é sermos felizes! Um trabalho que é uma obrigação transforma as pessoas em pessoas frustradas, revoltadas e infelizes. Não é suposto estarmos constantemente ansiosos pelas 18h, fins de semana ou férias. Temos que aproveitar tudo, inclusive as horas de trabalho, e deve ser um gosto trabalhar.
Ainda sou muito pequenina neste mundo de ilustração, estou a dar os primeiros passos, se não fui clara ou tiveres alguma questão, estás à vontade para falar comigo.
Até breve,
Dirce Russo